Pesquisar e desenvolver procedimentos na fronteira do conhecimento na aplicação da teoria das redes complexas para caracterizar, modelar e simular processos biológicos aplicados à medicina.
A teoria das redes complexas é uma área altamente multidisciplinar com aplicações em sociologia, física, engenharia, biologia de sistemas e medicina. Particularmente, no caso da medicina, é possível a análise de dados desde o nível genético até o social. Doenças estão interligadas no nível genético. Por exemplo, diversos trabalhos têm mostrado que pessoas que carregam uma cópia do alelo do gene FTO tem um aumento do risco de obesidade em 30%, aumentando para 67% se os dois alelos estão presentes. Genes que causam a obesidade também estão associados a outras doenças, como diabetes, asma e lipodistrofia. Desse modo, tais doenças podem ter uma origem genética comum. Logo, as doenças humanas não são independentes, mas formam uma rede complexa em que duas doenças estão ligadas se compartilham ao menos um mesmo gene.
No nível social, relações sociais, tais como as familiares e de amizade, podem influenciar a disseminação da obesidade e doenças infecciosas. Quando duas pessoas que mantém laços de amizade, se uma delas se torna obesa, a outra em 171% de chance de também se tornar obesa. Ademais, as interações sociais são responsáveis pela transmissão da maioria das doenças infecciosas, tais como as sexualmente transmissíveis ou as respiratórias. Nesse caso, é fundamental quantificar como a estrutura da rede influencia na propagação, de modo a permitir o desenvolvimento de métodos de controle de doenças e técnicas de vacinação.
Algumas doenças também estão relacionadas ao fenótipo. Por exemplo, a organização do cérebro está intimamente relacionada com transtornos neuropsiquiátricos, tais como a esquizofrenia e autismo. Particularmente, em um trabalho recente, analisamos redes corticais obtidas a partir de pacientes com esquizofrenia, que é um transtorno caracterizado por déficits cognitivo e emocional e associado com várias anormalidades na organização dos circuitos neurais. A fim de avaliar como a organização do cérebro está ligada a esse tipo de transtorno, analisamos redes corticais obtidas por functional magnetic resonance imaging (fMRI) de pacientes com esquizofrenia e indivíduos saudáveis em termos de suas propriedades topológicas e dinâmicas. Verificamos que entre 54 medidas topológicas testadas, apenas quatro contribuem substancialmente para uma discriminação entre as redes de pacientes saudáveis e esquizofrênicos, com uma sensibilidade de 90% e especificidade de 74%. As principais diferenças observadas foram com relação à estrutura modular e nível de centralidade das redes. Nossos resultados sugerem que é possível estabelecer rotinas computacionais de análise de dados que permitem um diagnóstico desta doença com base em dados de ressonância magnética funcional e as respectivas propriedades da rede corticais.
Os aspectos comentados acima indo desde as características genéticas até as sociais escapam à capacidade de descrição e predição das ferramentas de modelagem e simulação computacional apresentadas nas seções anteriores (ver Seção 5.1.1 e Seção 5.1.2). Aqui é onde se coloca a necessidade por uma abordagem diferente das anteriores, sendo que a teoria de redes de ciomplexas emerge como uma ferramenta promissora para tal objetivo. Assim sendo, nessa parte do projeto, objetivamos caracterizar, modelar e simular processos biológicos em medicina. Pretendemos desenvolver métodos de diagnóstico automático baseados na caracterização de redes corticais a fim de possibilitar o diagnóstico não-invasivo de transtornos neuropsiquiátricos, tais como esquizofrenia e autismo. Ademais, vamos desenvolver novos modelos de propagação de doenças infecciosas e obesidade. Finalmente, vamos caracterizar e analisar redes de interação de proteínas e de transcrição genética a fim de determinar como genes associados a diferentes doenças estão conectados.
Atividades
1. Diagnóstico automático de transtornos neuropsiquiátricos. Um dos objetivos de nossa pesquisa é o desenvolvimento de métodos para diagnóstico automático de transtornos neuropsiquiátricos baseado em conceitos de redes complexas e reconhecimento de padrões. Vamos considerar bases de dados não apenas de pacientes portadores de esquizofrenia, mas também de autismo e epilepsia. Serão coletados a partir de diferentes fontes e os métodos empregados complementarão as análises realizadas anteriormente.
2. Modelagem de propagação de epidemias. Epidemias se propagam através de contatos entre sujeitos infectados e sadios, que definem uma rede de interconexão. Entender como a organização de tal rede influencia na propagação é um dos grandes desafios atuais em epidemiologia computacional. Ademais, há uma crescente necessidade de modelos mais representativos das interações reais, tais como redes que evoluam com o tempo e redes interligadas, como no caso de redes sociais compostas de relações familiares ou de amizade. Sendo assim, objetivamos desenvolver novos modelos de propagação de epidemias que sejam mais representativos do fenômeno real. Esses modelos deverão considerar efeitos de ruídos nas transmissões, atrasos temporais, efeitos de sazonalidade e heterogeneidade nas taxas de propagação e imunização de indivíduos. Ademais, redes interconectadas, tais como de aeroportos e rodovias, serão consideradas. Os modelos serão validados com a comparação de dados obtidos a partir de observações reais, como na evolução do H1N1. Além do desenvolvimento de modelos mais realistas, é fundamental o desenvolvimento de métodos de vacinação eficazes. Sendo assim, objetivamos desenvolver métodos de vacinação que considerem apenas informações locais na rede, uma vez que na sociedade não temos a topologia das conexões. Esses métodos deverão considerar modelos compartimentais e redes organizadas em multicamadas e adaptativas. Diferentes tipos de doenças também deverão ser consideradas e modelos mais realistas serão levados em conta.
3. Biologia de sistemas. A biologia tem usado o reducionismo ao longo dos séculos para entender os componentes celulares associando funções a elementos específicos, tais como proteínas e genes. Entretanto, apesar do enorme sucesso obtido, grande parte das funções celulares não pode ser descrita pela análise individual dos seus componentes. Deste modo, é fundamental estudar a estrutura e dinâmica das interações entre os constituintes celulares para se entender o complexo processo que gera a vida. A atividade celular pode fundamentalmente ser dividida em três níveis básicos, (i) metabólico, que é determinado pelas (ii) interações proteicas, cuja produção é controlada pelas (iii) regulações gênicas. Assim, para se compreender os processos biológicos que originam a vida, é indispensável analisar como a energia é obtida pela célula através de processos bioquímicos entre os componentes metabólicos (produtos, substratos e enzimas); como as proteínas participam em diversos processos, como na formação de complexos proteicos; e como as informações são transmitidas de um fator de transcrição para o gene que tal transcrição regula. Como estes processos biológicos são determinados por componentes discretos (moléculas, genes ou proteínas) que interagem, é natural modelá-los por redes. Nesta parte do projeto, objetivamos analisar redes de transcrição genética e de interação de proteínas de modo a identificar como os genes relacionados à determinadas doenças estão relacionados. Métodos de inferência estatística deverão ser considerados a fim de determinar o quão representativas são as amostras disponíveis atualmente. Ademais, métodos de mineração de dados serão empregados para determinar funções de genes e proteínas a partir da estrutura da rede. Com isso, será possível prever a funcionalidade de tais componentes que ainda encontram-se desconhecidas. Redes de transcrição genética também serão consideradas para construir redes de interação de doenças. Nesse caso, doenças que compartilham ao menos um gene estão conectadas. Será feita uma análise de modo a determinar o caminho entre duas doenças e determinar modelos probabilísticos que permitam prever doenças a partir da descrição da estrutura da rede. Ademais, será feita um estudo da estrutura modular da rede, de modo a determinar se doenças com propriedades semelhantes tendem a estar ligadas a genes que se organizam em comunidades.
Metas
Dentre as metas esperadas, esperamos com essas análises:
1. Até 2021: entender como doenças se espalham em redes complexas e determinar como propriedades dos modelos, tais como taxas de transmissão ou atrasos temporais, ou das redes influenciam no processo de contágio. É esperado que modelos mais completos que os atuais sejam desenvolvidos.
2. Até 2021: desenvolver modelos mais detalhados sobre doenças epidêmicas.
3. Até 2021: desenvolver métodos de diagnóstico automático de doenças neuropsiquiátricas baseados em conceitos de redes complexas e mineração de dados.
4. Até 2021: analisar redes de interação de proteínas e genes de modo a determinar como determinadas doenças estão relacionadas com a arquitetura das redes.
Impacto
É esperado que as pesquisas propostas auxiliem no entendimento de como agentes infecciosos se propagam por topologias não triviais. Ademais, têm-se demonstrado que propriedades das redes estão relacionadas com doenças neuropsiquiátricas. Logo, o desenvolvimento de métodos para diagnóstico baseados em redes é uma atividade bastante promissora, tanto para estudar e entender a transmissão de doenças na população até o entendimento das relações existentes entre os transtornos neuropsiquiátricos por meio de técnicas mineração de dados. Com relação à análise de redes de interação de proteínas e de transcrição genéticas, o estudo proposto auxiliará em um maior entendimento sobre a relação entre estrutura e função em redes biológicas. Como as pesquisas aqui propostas são inéditas, é esperado que os estudos resultem em diversos trabalhos que serão submetidos para serem publicados em revistas científicas internacionais. Além disso, diversos alunos de graduação e pós-graduação serão envolvidos nos trabalhos propostos.